Entre protocolos ignorados e promessas vazias, a esperança de Ângela Vieira resistiu por três anos. Mãe de três crianças, ela chegou ao Mutirão da Inclusão da Defensoria Pública de Roraima em busca de um direito ainda não garantido pelo sistema público – a cirurgia no quadril do filho Kenned Luan, de 9 anos, diagnosticado com microcefalia causada pelo zika vírus.
Há mais de três anos, Ângela luta para conseguir que o filho, que sofre com uma luxação grave no quadril, seja submetido à cirurgia que pode devolver-lhe o mínimo de conforto. A solicitação foi incluída no sistema de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) do município, mas nenhuma resposta efetiva foi dada pela Prefeitura de Boa Vista até agora.
“Ele sente dor todos os dias. Já fomos até encaminhados para um hospital em Paranoá, no Distrito Federal, mas lá nos disseram que não fazem esse tipo de cirurgia e nenhum tratamento pra ele. Voltei sem solução, sem encaminhamento e sem resposta. Enquanto isso, ele segue esperando e sofrendo”, relata a mãe.
Ângela chegou ao Mutirão da Inclusão por meio de grupos de mães de crianças com deficiência, que compartilham entre si informações, links de inscrição e palavras de acolhimento. “Vi o link em um grupo de mães especiais de Boa Vista, me inscrevi e vim. Eu precisava saber se era possível conseguir a cirurgia com ajuda da Defensoria, porque por outros meios, não deu”, explica.
No evento, ela teve acesso ao atendimento jurídico da Defensoria e também ao suporte de profissionais da área da saúde, que encaminharam os documentos necessários para dar entrada ao processo judicial que pode garantir, finalmente, o direito ao procedimento cirúrgico.
A realidade de Ângela também escancara outro lado invisível da luta: a sobrecarga emocional e a solidão das mães cuidadoras. Ela vive sozinha com os filhos, Tomas Benjamin, de quatro anos, e Agatha Cristina, de apenas um ano e 10 meses, além do filho com microcefalia. O marido dela trabalha fora, com viagens a cada 30 dias para outras cidades.
“É tudo muito difícil. A gente corre o tempo todo atrás de algo que é nosso por direito. E, ainda assim, parece que não é suficiente. Além dos cuidados, eu também preciso de apoio psicológico. Toda mãe atípica precisa. E quase ninguém fala sobre isso”, desabafou.
Para ela, o mutirão foi um alívio. “Achei maravilhoso. É a primeira vez que consigo acessar tantos serviços de uma só vez. É diferente de ter que ir de órgão em órgão, gastando passagem, tempo e energia, que já me faltam em casa. Aqui, fui ouvida”.
Casos como o de Kenned são comuns na DPE e, principalmente, na atuação da Infância e Juventude, afirmou o titular e defensor público Francisco Francelino. “O mutirão veio justamente para mostrar que, cada vez mais, as crianças precisam da atuação da instituição, especialmente quando seus direitos à cidadania e à saúde não são acessados, quando, por exemplo, a porta do SUS está fechada para elas”, explicou.
Ainda conforme ele, a atuação da DPE é essencial para que essas crianças possam acessar a Justiça e garantir seus direitos. Esse trabalho começa, inicialmente, pela via administrativa. No caso de crianças que necessitam de suporte e atendimento por meio do Tratamento Fora de Domicílio (TFD), a Defensoria requisita informações à Secretaria Municipal ou Estadual de Saúde, dependendo da origem do cadastro da criança. Caso não haja resposta ou esta seja negativa, inicia-se a fase judicial, com o ajuizamento de ação fundamentada no direito à saúde, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, entre outros dispositivos legais do Estatuto da Criança e do Adolescente.
“É um trabalho que a Defensoria realiza de forma contínua e que tem ajudado inúmeras crianças no município de Boa Vista e em todo o estado. Esperamos, com isso, alcançar êxito na ação do pequeno Kenned Luan”, enfatizou o defensor Francelino.
Enquanto aguarda o desfecho do processo, Ângela respira mais aliviada. Pela primeira vez em anos, ela sentiu que não está sozinha.